Dezenas de pessoas foram mortas em Trípoli durante a noite quando os protestos contra o regime do ditador Muammar Gaddafi, há 42 anos no poder, chegaram à capital da Líbia pela primeira vez desde que a revolta começou, há seis dias. Jornalistas informaram que a sede central do governo, o prédio do Ministério da Justiça e o Parlamento estavam em chamas nesta segunda-feira.
Os protestos até agora estavam mais concentrados em cidades do leste do país, onde houve dura repressão. Segundo a ONG sediada em Nova York Human Rights Watch (HRW), ao menos 233 pessoas já morreram desde o início das manifestações populares.
A emissora de TV árabe Al Jazeera, citando fontes médicas, afirmou que 61 pessoas foram mortas nos últimos protestos em Trípoli.
Segundo a TV, forças de segurança estavam saqueando bancos e outras instituições governamentais na capital e que manifestantes invadiram diversas delegacias da cidade e as destruíram.
O prédio onde o Congresso Geral do Povo --o Parlamento-- se reúne quando está em sessão em Trípoli estava ardendo em chamas na segunda-feira, informou um repórter da agência de notícias Reuters.
Mais cedo, o jornalista líbio Nezar Ahmed disse à Al Jazeera que manifestantes haviam ateado fogo à sede central do governo líbio e ao prédio que abriga o Ministério da Justiça na capital do país.
Da capital líbia, Ahmed também assegurou que as forças de segurança praticamente se retiraram da cidade e que várias delegacias e outros prédios públicos também foram saqueados ou incendiados.
"Praticamente não há forças da ordem. Não se sabe aonde foram. Esta situação favorece os rumores alarmantes", explicou o jornalista, que mencionou como um deles a possível fuga de Gaddafi do país e divergências entre altos dirigentes do Exército e de outros corpos de segurança.
Segundo Ahmed, há apenas um cordão policial em torno da sede da rede de televisão estatal Libya TV.
Testemunhas disseram à agência de notícias France Presse que o prédio que servia de sede para um canal de televisão e uma rádio pública foi saqueado no domingo à noite por manifestantes em Trípoli.
"Um local que abrigava o canal Al-Jamahiriya 2 e a rádio Al-Shababia foi saqueado", afirmou uma testemunha, que pediu anonimato. A programação do canal e da emissora de rádio foi retomada nesta segunda-feira.
A Al-Jamahariya 2, segundo canal público, e a rádio Al-Shababia foram criadas por um dos filhos de Gaddafi, Seif al Islam, em 2008, antes de serem nacionalizadas.
Confrontos entre manifestantes e forças de segurança se espalharam no domingo até a capital líbia. Seif al Islam foi à TV estatal para afirmar que seu pai continua no poder --com apoio do Exército-- e que irá "lutar até o último homem, a última mulher, a última bala".
Mas, até mesmo durante seu pronunciamento, na noite de domingo, confrontos foram registrados nas proximidades e na praça Verde, no centro de Trípoli, durando até a madrugada de segunda-feira, segundo testemunhas.
Elas informaram que atiradores abriram fogo contra a multidão que tentava assumir o controle da praça, e partidários de Gaddafi passavam pelo local em veículos a altas velocidades, atirando e indo para cima dos manifestantes.
Os protestos e a violência foram os mais fortes até agora na capital, um sinal de que a revolta está se espalhando após seis dias de demonstrações anti-Gaddafi em cidades do leste do país.
A cidade de Benghazi, a segunda maior do país e onde os protestos começaram na semana passada após a prisão de um advogado de direitos humanos e onde dezenas de pessoas foram mortas por forças de segurança, está efetivamente sob controle dos manifestantes, de acordo com alguns moradores da localidade.
Um avião da Turkish Airlines que tentava aterrissar em Benghazi foi forçado a sobrevoar o aeroporto e retornar a Istambul.
Os manifestantes em Benghazi tiraram a bandeira líbia que ficava no prédio do principal tribunal da cidade e, em seu lugar, colocaram a bandeira da antiga monarquia do país, derrubada em 1969 em um golpe militar que levou Gaddafi ao poder.
A Líbia tem sido palco da mais sangrenta repressão na onda de protestos que atingiu diversos países árabes e que derrubou os ditadores do Egito e da Tunísia.
PRONUNCIAMENTO
Apesar dos sinais de que os protestos antirregime estão se espalhando, o filho de Gaddafi afirmou na TV, na noite de domingo, que seu pai irá prevalecer. "Não somos a Tunísia e o Egito", afirmou Seif al Islam. "Muammar Gaddafi, nosso líder, está liderando a batalha em Trípoli e nós estamos com ele."
"As forças armadas estão com ele. Dezenas de milhares estão estão vindo para cá para estar com ele. Iremos lutar até o último homem, a última mulher, a última bala", disse ele em um muitas vezes confuso discurso de que quase 40 minutos.
O filho do líder líbio prometeu ainda "reformas políticas significativas" --mesmo criticando os manifestantes antirregime-- e admitiu que a polícia e o Exército cometeram "erros" na repressão aos protestos, mas disse que o número total de mortes é muito menor do que o que tem sido divulgado.
Seif al Islam é frequentemente apresentado como a face do regime de reforma. Muitos dos filhos de Gaddafi têm posições de poder no governo e, nos últimos anos, têm competido por influência.
O filho mais novo de Seif, Mutassim, é o conselheiro para segurança nacional, com um importante papel entre os militares e forças de segurança. Outro filho, Khamis, lidera a 32ª brigada do Exército que, segundo diplomatas dos Estados Unidos, é a força mais bem treinada e melhor equipada.
DEMISSÃO DE DIPLOMATAS
A dura repressão aos protestos gerou uma onda de demissão de embaixadores líbios em diversos países.
O embaixador líbio na Índia, Ali al Issawi, disse à BBC que decidiu deixar o cargo em protesto contra o uso de violência por parte do governo e afirmou que mercenários estrangeiros foram mobilizados para atuar contra cidadãos líbios.
O embaixador da Líbia junto à Liga Árabe, Abdel Moneim al Honi, disse a jornalistas, no Cairo, que está se unindo à revolução. Outra baixa foi o embaixador líbio na China.
Países ocidentais expressaram preocupação com o aumento da violência contra manifestantes antigoverno na Líbia.
O chanceler britânico, William Hague, disse ter conversado com Seif al Islam por telefone e que lhe disse que o país deve começar um "diálogo e a implementação de reformas".(Folha de São Paulo)
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