domingo, 16 de maio de 2010

Niterói tem a maior taxa de moradores de rua do país

Concentração de mendigos é muita e os abrigos são poucos. Segundo a Secretaria de Assistência Social, os índices vêm caindo. Mas, entidades dizem que crescem

Conhecida pela beleza natural, extensa área litorânea e pelo alto índice de qualidade de vida, Niterói é também uma das cidades com maior concentração de moradores de rua do Brasil. A proporção de moradores de rua em relação à população do município é o dobro do índice nacional. Segundo pesquisa inédita do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, há 529 pessoas nessa situação, o que corresponde a 0,112% do total de niteroienses. Já a média nacional é de 0,061%. Apesar dos números, a Prefeitura conta apenas com um abrigo, com capacidade para 50 pessoas. 

Os dados fazem parte da Pesquisa Nacional sobre a População em Situação de Rua, desenvolvida entre agosto de 2007 e março de 2008, pelo Instituto Meta, escolhido pelo ministério. Em Niterói, 68,8% dos mendigos são do sexo masculino e quase a metade (49,6%) tem entre 45 e 54 anos. Em relação à escolaridade e emprego, o estudo concluiu que quase 50% não terminou o Ensino Médio e mais de 30% são catadores de material reciclável. Em todo o País foram identificados 31.922 adultos em situação de rua. O levantamento foi feito com pessoas acima dos 18 anos, em 71 municípios. Desses, 48 tinham mais 300 mil habitantes e 23 capitais participaram independentemente do porte populacional.

Para a Secretaria Municipal de Assistência Social, os dados da pesquisa estão desatualizados e não correspondem à realidade de Niterói. O órgão calcula 450 mendigos na cidade, número que, segundo a Secretaria, cai a cada ano. De acordo com uma das coordenadoras do Centro de Referência especializado da Secretaria, Diana Arrais, frequentemente, há ações estratégicas em conjunto com outros órgãos para retirar moradores das ruas. Com a ajuda de denúncias da sociedade, os agentes vão a pontos onde há maior concentração de mendigos e tentam levá-los para o abrigo ou de volta para os estados natais. 

Diana disse ainda que o único abrigo público, a Casa de Cidadania Florestan Fernandes, no Centro, está com todas as 50 vagas preenchidas. Niterói conta ainda com 14 instituições filantrópicas que acolhem moradores de rua. Já a secretaria estadual de Assistência Social informou que ações de retirada de moradores das ruas são dever no governo do município. 

“Há muita migração de moradores de rua de municípios vizinhos para Niterói, mas o índice na cidade está caindo. Monitoramos as ruas e atendemos denúncias da população. Os moradores de rua se concentram mais no Centro e em Icaraí”, cita.

Entidades que realizam trabalhos solidários, porém, afirmam que a população de rua cresce a cada ano. Uma vez por semana, Nila Vilma utiliza o espaço da Igreja Nossa Senhora Auxiliadora, em Santa Rosa, para preparar os lanches doados. Há dois anos, diz ela, 150 refeições eram suficientes, mas hoje, 300 não alimentam todo o público-alvo. 

“Faço esse trabalho há 17 anos e percebo que o número de mendigos cresce. Tudo o que é distribuído vem de doações. Faço tudo com muito carinho e dou o melhor alimento para eles”, disse.

O mesmo panorama foi observado por religiosas da Fraternidade Toca de Assis, em São Domingos. De acordo com Lunne Nunes, responsável pelos trabalhos nas ruas, os 80 lanches distribuídos todas as sextas à noite nunca são suficientes. Ela conta que os principais pontos de atuação são o Fonseca e o Centro. Atualmente, a casa da fraternidade acolhe sete ex-moradores de rua, capacidade máxima do local.

“Toda semana vejo novos moradores de rua e sempre tem gente chegando. Conversamos com eles, vemos as necessidades deles e damos uma palavra de conforto. Acolhemos aqueles em situação mais crítica e sempre tentamos contato com a família. Se fosse possível, receberíamos todos”, disse. 

Apesar desse tipo de iniciativa, a secretária municipal de Assistência Social, Kátia Paiva, orienta a população a não oferecer alimento e dinheiro aos mendigos, pois a prática estimula a permanência do grupo nas ruas.
“A sociedade fica comovida ao ver um morador de rua, mas é importante entrar em contato com a Prefeitura e se informar sobre como ajudar da melhor maneira”, alerta. 

À margem de toda qualidade de vida oferecida à população de Niterói, é possível ver centenas de pessoas fazerem de diferentes avenidas e praças da cidade a própria residência. Em plena luz do dia, por volta das 12 horas, O FLUMINENSE encontrou mendigos em cinco pontos, a maioria na área nobre da cidade: praça em frente à Igreja São Francisco Xavier, em São Francisco, em frente ao Complexo Esportivo Caio Martins e na Praça Getúlio Vargas, em Icaraí, além da Cantareira, em São Domingos, e da Avenida Amaral Peixoto, no Centro.  

Moradora de São Francisco há mais de dez anos, a administradora Cecília Adami, de 23 anos, evita passar próximo à agência da Caixa Econômica durante a noite por causa da concentração de mendigos no local. Já o estudante Philip Marins, de 24, relata que é normal encontrar moradores de rua embriagados no antigo Cinema Icaraí, a maioria adultos.

“O número de mendigos está crescendo no bairro. O problema é que muitos fogem dos abrigos e retornam às ruas”, opina.

São Gonçalo – O município de São Gonçalo também integrou a lista dos 71 que participaram do levantamento do Ministério do Desenvolvimento Social. De acordo com a pesquisa, foram identificadas 289 pessoas em situação de rua, o equivalente a 0,030% da população total. Segundo a Secretaria Municipal de Assistência Social, porém, existem 350 pessoas nessa situação, mas cerca de 200 vivem em abrigos. A secretaria informa ainda que o índice caiu 5% nos últimos anos e que há projetos para devolver a população ao estado de origem. Além disso, cerca de 30 instituições religiosas atendem moradores de rua.
Ex-mendigo conta sua trajetória


De usuário de drogas e mendigo, o pai de família e funcionário da secretaria municipal de Assistência Social. Rodrigo, de 25 anos, é a prova de que é possível estabelecer a reinserção social da população de rua. Com 18 anos, após conflitos com o pai, com quem morava no Tenente Jardim, ele abandonou o lar e morou em diferentes ruas e praças de Niterói, entre 2003 e 2004. Durante período, classificado como o pior da vida, Rodrigo vivia de coleta de papel, mas boa parte dos 70 reais que conseguia por semana era gasto com entorpecentes.

Quando já estava se “acostumando” com a situação vivida nas ruas, ele foi acolhido no Florestan Fernandes, conseguiu se estruturar psicologicamente e retornou à casa do pai. Além disso, recebeu a oportunidade de emprego dentro da secretaria. Desde 2007, ele é cuidador social e ensina noções de cidadania aos abrigados.

“Passei 11 meses na rua, de 2003 a 2004, mas ficar lá nunca foi o meu perfil. É uma situação muito difícil e vergonhosa. Não aceitava comida das pessoas por medo de estarem envenenadas, por isso passei fome. Na rua, nunca teria a alegria de ser pai e chefe de família.  Hoje tenho uma vida digna, mas o carimbo de ex-morador de rua não sai facilmente”, declara.

Álcool, drogas, desemprego e violência doméstica

Segundo a pesquisa encomenadada pelo Ministério do Desenvolvimento, os principais motivos da ida das pessoas para as ruas são uso de drogas ou álcool, desemprego, problemas com familiares e perda da moradia.  

Do total de indivíduos pesquisados, cerca de 50% está fora de casa há mais de dois anos. E dois em cada três dormem sempre na rua, enquanto cerca de 20% costumam dormir em abrigos. Ainda há outros que costumam alternar, ora dormindo na rua, ora dormindo em albergues. E a maioria não vive de esmolas. Questionados sobre o que fazem para sobreviver, 71% dos entrevistados disseram exercer alguma atividade remunerada. Menos de 20% revelaram que a sua principal fonte de renda são as esmolas. 

Migração – Em Niterói, um outro problema seria a migração da população de rua de outras cidades. Além disso, 23% dos moradores de rua entrevistados sempre viveram no município, enquanto 64% vieram de outras cidades e 13%, de outros estados. Um levantamento apresentado pela Secretaria de Assistência Social de Niterói no início do ano mostra que um em cada cinco moradores de rua atendidos em 2009 e que apontaram sua origem era do Rio. A Prefeitura disse na época que notou um considerável aumento de pessoas oriundas do Rio, por conta das operações de “Choque de Ordem” do prefeito Eduardo Paes. A Secretaria de Assistência Social disse ainda que Niterói recebe pessoas de outras cidades e estados. (O Fluminense)

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