O Estado do Rio de Janeiro está diante de uma grande oportunidade para aumentar seu parque industrial: em setembro próximo, a Secretaria de Transporte estará abrindo licitação internacional para a compra de 60 trens de quatro carros para a Supervia. Em seguida, a própria (hoje controlada pela Odebrecht Transport) vai encomendar mais 30 trens também de quatro carros, somando 90 trens ou 360 carros. Encomenda para fabricante nenhum botar defeito.
Poderíamos perfeitamente fabricar os trens no Estado do Rio de Janeiro, com mão de obra e insumos brasileiros. O Brasil tem tecnologia, mão de obra e capacidade para fabricar trens elétricos desde a década de 70, como aliás fazia a extinta Cia. Industrial Santa Matilde, em Três Rios. Se não fabricar tudo, pelo menos parte. O que o Estado do Rio de Janeiro não pode – ou melhor, não deve – é continuar comprando trens embrulhados da Coreia, como fez em 2005, ou da China, como em 2008.
Quando o governo de São Paulo fez compra semelhante, em 2008, para a CPTM e o Metrô, optou por criar na licitação margem de preferência de 15% em favor de equipamento fabricado no Brasil. Isso bastou para que o vencedor da concorrência, uma empresa espanhola, até então ausente do país, construísse em Hortolândia , perto de Campinas, uma fábrica novinha em folha, que hoje emprega 1.300 homens e fabrica 65% do valor dos trens. De espanhóis trabalhando na fábrica há, ainda, 20 técnicos para treinar os brasileiros. Todos voltarão à Espanha em pouco tempo.
Tanto em São Paulo como no Rio, a compra é financiada pelo Banco Mundial, que nas suas regras exige concorrência internacional, mas permite a preferência dos 15%. Só que o governo do Rio de Janeiro não quer nem ouvir falar de preferência, apesar dos insistentes pleitos da indústria nacional. Prefere fazer o negócio ao preço mais baixo possível, ou seja, na China, grande fornecedora de trens elétricos, guarda-chuvas e luzinhas de natal, e ficar com o troco do financiamento do Banco Mundial para comprar mais trens adiante.
Nos últimos 30 dias foi anunciada a construção de quatro fábricas de material ferroviário no Brasil: uma de locomotivas em Sete Lagoas (MG), uma de trens elétricos em Araraquara (SP), uma de freios em Itupeva (SP), e até uma de monotrilhos em Campo Grande (RJ). O país está atravessando um verdadeiro renascimento do transporte ferroviário, impulsionado pela saturação dos demais meios de transporte, pela questão ambiental e pelo avanço tecnológico na construção de material ferroviário. Não é só um fenômeno brasileiro, mas está acontecendo nos Estados Unidos e na China.
Os 60 + 30 trens da Supervia valem perto de 900 milhões de dólares, dinheiro mais do que suficiente para investir numa nova fábrica no estado. Se o governo não fizer nada, todo esse valor, e os empregos que gera, vão ficar na China mesmo, mais exatamente em Changchun, onde a Changchun Railway Vehicles está fabricando os 34 trens vendidos há dois anos para a mesma Supervia.
Nada contra trens chineses. Ainda não começamos a usá-los no Brasil, mas, até prova em contrário, são tão bons como qualquer outro (espero). Então, se compramos tanto deles, porque não vêm fabricar aqui? Não foi assim que a indústria automobilística brasileira foi criada?
Não parece haver objeção do lado dos chineses. Eles já estão assinando protocolos de intenção com a indústria brasileira, preparando possíveis joint ventures. Nem haveria objeção do Banco Mundial, que aceitaria a preferência dos 15% para fabricação no Brasil. O governo do estado ainda pode mudar o jogo se perceber a oportunidade.
O Globo / Gerson Toller - Diretor-executivo da Revista Ferroviária.
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