segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Gran Circus: tragédia que arde na memória da cidade há 50 anos

Sobreviventes do incendio que deixou cerca de 500 mortos no Centro de Niterói e abalou a cidade ainda guardam cicatrizes.


No próximo dia 17 a maior tragédia de Niterói completa 50 anos. Em 1961 um incêndio criminoso no Gran Circus Norte-Americano deixou quase 500 mortos no Centro. Quem enfrentou as chamas de perto ainda guarda na memória a dor e o sofrimento causados pela tragédia. É o caso da aposentada Lenir Ferreira, de 75 anos, uma das sobreviventes do incêndio. Na época, grávida de quatro semanas, ela perdeu o bebê, o marido e os dois filhos pequenos, de dois e quatro anos, no dia em que esperava ter sido de festa e diversão. Ao contar detalhes do drama vivido, Lenir diz ainda lembrar com clareza dos gritos do marido.

“O som que eu tenho na minha mente até hoje é do meu marido chamando ‘Lenir, meu amor’. Foram as últimas palavras dele”, recorda emocionada a aposentada, que na ocasião foi salva por um soldado do Corpo de Bombeiros que a pegou pelo braço e a levou para uma ambulância, junto com seus dois filhos menores, de dois e quatro anos, que não resistiram às queimaduras.

Na época, o apoio de familiares foi fundamental para ajudar a superar o trauma, impedindo que ela soubesse de forma abrupta que havia perdido o marido e os filhos que tanto amava. 

“A ambulância estava muito cheia e não tínhamos lugar para ficar. Tinha gente até no chão. Lembro que meu filho gritava por mim, pois sentia muita dor”.

 As marcas não ficaram apenas na memória. Ela também traz no corpo as cicatrizes da tragédia, tendo passado por várias cirurgias reparadoras para amenizar as marcas deixadas pelo fogo. Lenir também conta que passou por inúmeras sessões de fisioterapia que foram realizadas na Associação Fluminense de Reabilitação (AFR).

“É um passado bastante presente. Não consigo esquecer. A minha sorte é que eu sempre fui muito alegre e procuro não me lamentar tanto. Temos que tocar a vida adiante”, desabafa.

O incêndio criminoso teria sido cometido por motivo de vingança, depois de um simples desentendimento entre o dono do circo e um ex-empregado. Além das centenas de mortes, outras centenas acabaram pisoteadas, carbonizadas e mutiladas. A tão esperada tarde de domingo, que seria a estreia do espetáculo, ocorreu uma semana antes do Natal.

O fogo ateado pelo ex-funcionário na lona inflamável do picadeiro atingiu grandes proporções em questão de minutos. De acordo com relatos e noticiários da época, a cobertura de nylon, em chamas, pesando seis toneladas, caía em gotas de fogo sobre uma plateia de três mil pessoas, a maioria crianças. 

Faltavam apenas 20 minutos para que o primeiro espetáculo, a matinê, se encerrasse com chave de ouro. A trapezista que se preparava para dar o salto tríplice mortal começou a gritar anunciando o fogo e caiu sobre a rede de proteção. Os animais também ficaram feridos enquanto outros morreram presos dentro das jaulas. Uma elefanta conseguiu abrir um rasgo na lona lateral do picadeiro, o que fez com que várias pessoas escapassem. 

Chamas, fumaça e destruição

A empresária Marília Gomes, de 64 anos, escapou por pouco da tragédia. Ela já havia comprado os ingressos para assistir ao espetáculo da matinê com a família, mas por alguns contratempos, acabou chegando atrasada e se deparou com o quadro aterrador. Em meio às chamas, fumaça, destruição e os gritos de pânico, as pessoas buscavam as saídas e atropelavam as que já estavam caídas ao chão. Só restou aos bombeiros resgatarem os sobreviventes que estavam entre os destroços e os corpos carbonizados e pisoteados. Ao todo 372 foram encontradas mortas, muitos feridos não resistiram e morreram nos próximos dias. 

“Vimos muita gente queimada sendo socorrida e transportada por caminhões, pois não havia ambulâncias suficientes. Foram cenas bem chocantes, acredito que a maior parte das famílias de Niterói e municípios vizinhos perderam parentes nesse incêndio. Foi muito triste também porque estava em época natalina e a cidade ficou completamente vazia”, lembra.

Muitos corpos não foram reconhecidos e os restos mortais foram sepultados em covas coletivas. O ginásio Caio Martins se transformou numa fábrica improvisada de caixões, enquanto o cemitério do Maruí, no Barreto, já não possuía capacidade suficiente para enterrar todas as vítimas da tragédia, 70% delas crianças. A Prefeitura de São Gonçalo teve a iniciativa de desapropriar algumas terras do Palacete do Mimi para construir às pressas um novo cemitério, o São Miguel.

A tragédia também deixou marcas no picadeiro. O palhaço Carlos André Farias, que começou na carreira há 25 anos, lembra dos pais e amigos, também circenses, recordando a tragédia.

“Comecei na profissão de palhaço ainda pequeno e sempre ouvia falar neste episódio. E passados quase 50 anos as pessoas com quem falo ainda lembram com clareza da tragédia. Foi o dia em que o circo, lugar de alegria, música e brincadeiras, deu lugar à dor”. 
Crime premeditado

Apontado como responsável pelo espetáculo de horror, Adilson Marcelino Alves, o Dequinha, de 22 anos, era um dos 50 trabalhadores contratados para a montagem do circo. Segundo reportagens da época, ele teria se desentendido com um dos colegas e sido posto para fora do lugar. Dois dias depois, o dono do circo, Dino Stevanovich, o teria demitido sob a acusação de “ladrão preguiçoso”, depois que descobriu que Dequinha já tinha antecedentes criminais.

Ele jurou vingança. Queria ver o circo pegar fogo. E foi isso que aconteceu. Chegou ao local com dois comparsas quando o espetáculo já havia começado. Entrou sem pagar por debaixo da lona e assistiu a tudo enquanto Valter Rosas dos Santos, o Bigode, apontado como comparsa, jogava gasolina de fora do circo.

Minutos antes do espetáculo acabar, ele teria ateado fogo em tudo - mesmo sabendo que alguns de seus amigos estavam lá dentro. Adílson Marcelino Alves foi réu confesso e confirmou toda a história aos jornalistas, na presença dos policiais. Ele foi condenado a 16 anos de reclusão, mas após cumprir 11 fugiu da cadeia e foi encontrado morto em um beco de Niterói. Bigode pegou 16 anos  e cumpriu 13, até ser solto sob o regime de liberdade vigiada. José dos Santos, o Pardal, outro comparsa, foi condenado a 14 anos, mas foi solto após cumprir 10.(O Fluminense)

Nenhum comentário:

Postar um comentário